uma cena dissidente

Carla de Miranda
2 min readAug 23, 2022

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[tempestade de ideias para construção da cena LGBT do espetáculo Pontilhados Garanhuns]

Foto: Ivo Thávora | Pontilhados Garanhuns no 30º Festival de Inverno de Garanhuns, 2022.

confiar no salto
suportar o tempo
sustentar o possível
convidar ao apoio
afirmar o querer
celebrar a partilha
dançar a companhia
colocar a vontade
dar a escuta
receber a escuta
abraçar a vontade
reconhecer o diverso
saltar na confiança
aguardar o suporte
facilitar o sustento
apoiar o convite
querer a afirmação
partilhar a celebração
parear a dança
querer o caminho
escutar o dado
escutar a recepção
pedir o abraço
variar o conhecer

Foto: [conferir] | Pontilhados Garanhuns no 30º Festival de Inverno de Garanhuns, 2022.

PS.: escrevi isso horas antes da minha gata Elza morrer. não sabia o que viria. veio. um susto, os colos possíveis. depois passei no posto pra comprar cigarro já atrasada a caminho do ensaio, mesmo assim. uma mulher chorava lenta e copiosamente no balcão. me ouviu comentar com a atendente que Elza morreu. e conseguiu achar por bem de me dar mais um manual de luto — já o terceiro do dia, mas não sou cristã. a morte não é uma novidade na minha vida — Elza morrer ali, era sim.

mas eu insistir em usar a réstia do que meu corpo podia pra ir ensaiar, e ser brandamente acolhida pelo grupo no meu luto, me sustentou. à noite, consegui ter vontade de comer. até conheço o que me falta quando caio. mas ter vontade — e melhor ainda: conseguir comer mesmo! — foi importante. ter colo pra dormir — o que costuma me faltar mesmo quando eu deito — também. acho que Elza me ensinou a cuidar da minha alegria em movimento poroso num tempo de escassez, e a me despedir da bonança que muda.

não deu tempo de elaborar calmamente nem de encontrar a psicóloga, mas viver isso me lembrou o velório de Candy, da série Pose. trabalhar com acolhimento é uma coisa, recebê-lo de prontidão é outra. tanto na psicologia quanto na arte não me demoro pensando em prepará-lo — faço. já recebê-lo… é tão diferente. todas as cenas de acolhimento em Pose me fizeram chorar — o zelo da comunidade em memória de Candy acabou comigo. ser acolhida pela nova rede de apoio — ali, na dança, com gente atenta, paciente e sensível também ao que sou — segurou a água do meu corpo que eu não podia perder mais.

Foto: [conferir] | Pontilhados Garanhuns no 30º Festival de Inverno de Garanhuns, 2022.

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Carla de Miranda

O encanto me comove, e comovida canto, batuco, danço, e pergunto muito. Pessoa do pluricomunal, grão de areia saboreando vento, psicóloga, artesã do cuidado.