carburar o marco zero do florestamento

Carla de Miranda
2 min readNov 4, 2023

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{ler escutando mestre ambrósio tocando vida}

fumo tabaco pra organizar as vozes da minha cabeça quando encontro bloqueios predominantemente prejudiciais à chance iminente de dialogar. comecei depois de uma gira que o cigarro da velha carburou tão saboroso como nunca antes que até me desanuviou, refletindo as prosas, lôas, toadas e trupés enunciadas e reparadas na cabeça, mas passando também brisas que refrescaram a chance singular de refração.

sei os prejuízos orgânicos, nasci fumante passiva, cresci nadando pra resistir a isso e outras coisas que colocaram no meu corpo, antes que eu conhecesse o que significa um nome e como faz pra significar. até a gira, sempre que provava, não me dava mais do que precisav — não, não me dava mais do que queria saber — “ok, não quero”.

da gira pra cá, quando precisamos de vacinas enquanto “nossos” correspondentes não queriam correspondê-las, quando queríamos continuar escolhendo nas ruas enquanto “nossos” encarceradores precisaram nos apartar ainda mais; da gira pra cá, “quero sim”. prefiro eu me queimar por dentro quando não puder dialogar. já que o bloqueio implica resposta enquanto a nega e a designa como outra, oposta, invento jeitos de responder. não deixo o samba morrer.

prefiro eu sustentar meu movimento quando me convidam pra não considerarem minha presença. isso me segurou de pé nos aeroportos e seus cruzos estranhos, nas ações em que achei de estarem mudando pra coações contra cooperações, nas ruas e redes que fecharam pra mim depois de me levarem a balançar e as rasgarem comigo no meio.

tramelar a queda do desequilíbrio automatizado pro desequilíbrio consentido, queimar eu mesma as imagens de não-lugar que me fizeram vestir. que eu me faça lugar e imagem de minha presença na composição dos comuns possíveis, convivíveis, sincopando movimento e som na feitura encantadeira de intercâmbios que sei, sinto e escuto tantos de nós precisarmos e querermos. que também sei, sinto e vejo vários de nós nos bloqueando com o bloqueio alternativo (ênfase no alternativo) anterior que nos endivida em individualizações e apartações — alguns o fazem querendo, alguns o fazem “devendo”.

me carburo parado, batendo à porta e pensando que, como sambadeira, eu sei brincar e encantar indo à curva do encantado. faço morada do poder que na memória me irradia torando o cigarro do cio da terra. um velho me contou que “mora muita luz no meu jardim que quer me ver criando vida por aí”. mesmo quando penso se só consigo vê-la quando cavalos a rodam ao meu lado no salão ou quando deito pro sol que passeia no meu quintal, tem aí um aviso que faço jeito de responder: acho que tô aprendendo a refratá-la.

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Carla de Miranda

O encanto me comove, e comovida canto, batuco, danço, e pergunto muito. Pessoa do pluricomunal, grão de areia saboreando vento, psicóloga, artesã do cuidado.